MR. ROBOT DIALOGA, LOGO EXISTE.

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Para falar de Mr. Robot, a série sensação do verão americano — e que por aqui chegou apenas nas ondas dos .torrents — , parto de um pensamento que de simplório tem aqui somente a sua formatação.

Lá vai: não é curioso notar como a MÍDIA abandonou seu papel tradicional de condutora de conceitos e conteúdos para assumir uma posição de protagonismo? E de que esta escolha, que oscila entre pensada e natural, a levou a pautar a própria criação de novas mensagens?

Esse papo não é exatamente novo eu sei, mas, em paralelo à necessidade de criarmos novas estratégicas de mediaçõestemos também a necessidade de propor uma nova análise do papel de um ator social muito importante: nós mesmos. E de nosso palco por excelência no mundo interconectado de hoje: a Cultura Pop.

Pois era nisso que estava pensando quando me propus resenhar a primeira temporada da série, que terminou no início desse mês. Se você não tem a mínima ideia do que estou falando, eu ajudo.

Em Mr. Robot (USA Network, 2015), podemos acompanhar a jornada auto-destrutiva de Elliot Alderson (Rami Malek) que nos é apresentado com um cidadão urbano e de vida dupla, morador de Nova York e vivendo em alguma época indeterminada de nosso presente próximo.

O “vida-dupla” é em função de sua atividade após as horas trabalhadas em uma empresa de segurança da informação. Elliot é um vigilante digital, segundo sua própria definição. Para ficar claro: ele usa suas noites (como todo bom Hacker, para que dormir, né?) para consumar sua missão: a “busca e destruição” de personalidades e perfis desviados da sociedade que ele mesmo ajudou a criar.

Assim ele enfrenta pedófilos, estelionatários, adúlteros e demais personas através de um meticuloso processo de quebra e exposição pública de seus desvios. Primeiro em particular, no momento em que ele se apresenta — e depois em público, com a chegada sincronizada da polícia.

É interessante notar como, nesse momento, Elliot nos leva, através de suas vítimas, a uma espiral eterna de morte e renascimento, confusão e lucidez, decrepitude e renovação plena — representada aqui pelo seu louco plano de exterminar por completo nosso atual contato social, corporificado na figura dos CEOs, CTOs e CFOs da maior corporação do mundo, a Evil Corp.

Ainda que esvaziado de seu caráter original, o Grotesco das situações que Elliot julga estar vivendo está presente na constante torrente de seu antagonismo criador. A família partida (a mãe cruel), jaz ao lado na nova-mãe, traficante e carinhosa; a paternidade interrompida dá lugar à nova paternidade conquistada junto ao grupo de hakcers que acredita estar fazendo parte; o vício em morfina, é mantido em doses contínuas de remédios contra abstinência. Enfim, a vida dupla de um mundo cheio de espelhos sem reflexo.

Pareço escapulir. Retomando o pensamento. Quando, em repetidos capítulos, testemunhei Elliot pilotando suas telas de onde tudo via, escolhendo quem Vigiar e Punir, não pude deixar de lembrar da alegoria do Panóptico, um engenhoso sistema prisional idealizado — e nunca construído — pelo jurista inglês Jeremy Bentham, que era baseado em uma prisão circular, de onde um observador central poderia ver todos os locais onde houvesse presos.

No entanto, a versão contemporânea do engenhoso invento é ainda mais rica. Se, em uma primeira vista, a transparência dos ambientes é aqui representada pela habilidade de Elliot em quebrar senhas e perfis; o avançar da trama nos mostra que o único encarcerado não é outro senão o próprio protagonista. Transparente, exposto, aberto, ele procura a si mesmo, encontrando e quebrando senhas e perfis, em busca de sua identidade final.

Mr. Robot assume também um manifesto poderoso como testemunha de sua própria época, inclusive em algumas escolhas de roteiro e direção. Apenas como exemplo de confronto conceitual, o que nos faz o Clube da Luta (David Fincher, 1999), cuja engenhosa arapuca criativa nos leva a querer rever todo o material assim que ele termina; não está presente na série de Sam Esmail.

Olhares mais atentos vão perceber que a trama termina a sua primeira temporada eliminando aquele que seria seu plot twist no meio de sua escalada, em uma única cena, no oitavo episódio. A mensagem é clara: o óbvio é mais importante do que qualquer coisa.

Para concluir, relendo este texto duas semanas depois de rascunhado — estava escrito à mão em minha mesa de cabeceira (é, sou dado a antiguidades, por vezes) — , me pego entre abismado e conformado: o que esperar de uma época como a nossa?

Já reparou que vivemos em um momento tão particular na história humana que até mesmo à nossa privacidade foi imposta uma sublimação definitiva? Não adianta fugir: nos rendemos às virtualizações sedutoras e dominadas por algoritmos cegos, responsáveis por quantificar, negociar e liquidar nossos sentimentos em troca de mensagens direcionadas.

Assim é o mundo de Mr. Robot. Nele, somos a vítima, o culpado e o vigilante.

Logamos, logo existimos.

Pelo menos enquanto nosso valor venal estiver em alta.

Sobre o autor

Mauro Amaral

Meu principal foco de atuação é a criação de projetos de conteúdo interessantes, divertidos e leves para marcas, organizações e produtos.

Em função desta opção, transito bem entre jornalismo, publicidade e entretenimento, pesquisando continuamente e filtrando ativamente as tendências do momento para aplicá-las no dia a dia dos meus clientes.

Construo, mantenho e estimulo equipes criativas há 10 anos; com especial predileção por identificar novos talentos e trabalhar potenciais multidisciplinares.

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por Mauro Amaral

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