A estratégia do Spotify para os podcasts, sete anos depois, estaria subindo no telhado?

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É uma piada recorrente entre os dinossauros sonoros da produção de podcasts no Brasil aquela que conta que sempre que dois deles se encontravam, afirmam: “2010 é o ano do Podcast no Brasil”, ou “2008 é o ano do Podcast no Brasil”, ou ainda de forma reduzida, “Agora vai”.

O fato é que em 2016, foi. O Spotify entrou para o mercado com pompa e circunstância e nada mais soou da mesma forma. Sim, o mercado se consolidou e assumiu novos formatos deste que Alex Blumberg, produziu este episódio do seu podcast Startup contando sobre a reunião do seu time com o da empresa de Daniel Ek na Suécia. Desde lá, novas produtoras surgiram, grandes players de mídia entraram na jogada e o resto é a história que estamos construindo todos os dias.

No entanto, sete anos depois, a estratégia antes tida como perfeita parece dar sinais controversos sobre o seu sucesso. Este post é sobre isso, um resumo costurado com algumas opiniões sobre este excelente artigo da Semafor que nos conta uma história peculiar: de como não entender sobre podcast fez toda a diferença para gerar a situação que estamos agora.

Como o Spotify entrou para o mercado de Podcasts

O Spotify começou a investir em podcasts em 2016 e, desde então, gastou centenas de milhões de dólares para adquirir empresas de produção, plataformas de mídia e de hospedagem, além do passe de criadores renomados, com o objetivo de atrair novos assinantes para a plataforma.

Eu apresentei a minha leitura sobre esta jornada neste episódio do podcast do projeto mauroamaral.com. Nele eu conto que o podcast como conhecemos desde 2006 já sofreu várias “submissões”. Por submissão entenda um ajuste de rotas e propósitos a determinado estado de coisas.

E por estado de coisas entenda artefatos de saber-poder (sobre o termo ao lado, leia este outro post aqui): primeiro à sua esfera tecnológica, depois aos modelos de negócios de empreendedores pioneiros e, mais recentemente, às plataformas engolidoras de dados. A estratégia do Spotify, claro, é sobre esta última.

Durante essa breve jornada, tivemos outro momento de inflexão em 2019. Foi o grande movimento, quando a empresa comprou três outras: Gimlet, Anchor e Parcast. Com isso, o Spotify se tornou o líder do mercado de podcasts, até onde sabemos.

No entanto, a estratégia da empresa de tornar a maioria dos principais podcasts exclusivos da plataforma dividiu internamente e afetou a receita publicitária. Receita publicitária essa que nasce da fome dos dados de uso, saciada pelas pegadas digitais que geramos todos os dias enquanto usuários, cabe sempre lembrar. Mas como essa estratégia nasceu?

Que estratégia foi essa e por que ela está dando errado para o Spotify na indústria do podcast?

Dawn Ostroff: “e se a gente contratasse celebridades no lugar de podcasters?”

A responsável por essa questão na empresa foi a diretora de conteúdo, Dawn Ostroff, que apostou em contratar celebridades de Hollywood. E é aqui que o eterno play ganha ares de rewind. Algumas lideranças no Spotify perceberam que ela estava focando em nomes grandes em vez de conteúdo de qualidade.

Ainda assim, a empresa investiu em figuras como os Obama, Kim Kardashian e Joe Rogan, que se tornou o maior sucesso em podcasting desde Serial. E, a reboque, deu início à era da estética de Hamburgueria: uma mesa, vários microfones, fundo de tijolo artesanal e quatro horas por episódio. Em 2021, o Spotify cancelou quase uma dúzia de shows, incluindo programas da Gimlet, e empurrou Ostroff para fora da empresa, afirmando que a estratégia de podcasting era equivocada para o negócio.

Os atropelos da estratégia que focou em celebridades e não naquilo que o podcast tem de melhor (intimidade entre produtores e a natureza do seu conteúdo), começaram a surtir seus efeitos danosos quando se percebeu que o tipo de programa que geravam, embora inicialmente atraíssem grande audiência, logo perdiam ou não mantinham um público fiel. Fidelidade e comunidade são tudo no mundo do podcast.

Alguns exemplos incluem o programa Call Her Daddy de Alex Cooper, que apesar de atrair um grande público, enfrentou problemas internos e logo perdeu audiência. O programa Reply All da Gimlet, aclamado pela crítica, não conseguiu atrair uma grande audiência. O maior sucesso em podcasting desde Serial, o programa de Joe Rogan, também gerou controvérsias e tensões internas na empresa. Rogan, em particular, criou problemas graves com seus comentários sobre a comunidade transgênero e seu lado negacionista aplicado às vacinas, o que levou a tensões entre ele e alguns membros da equipe do Spotify.

Além disso, a estratégia de exclusividade dos principais podcasts da plataforma afastou alguns ouvintes que preferiam outras plataformas como a Apple Podcasts, YouTube ou Stitcher. Isso afetou negativamente a receita publicitária do Spotify e dividiu a empresa internamente.

Ou seja: o fracasso da estratégia do Spotify para podcasts se deu em grande parte pelo excesso de investimentos em aquisições de criadores e empresas de podcast, sem um foco claro em rentabilidade ou na qualidade do conteúdo.

Atualmente, os decisores do Spotify estão buscando reduzir custos e tornar o negócio lucrativo. A empresa está ajustando sua estratégia de programação e ad tech, com foco em tornar a publicidade mais eficiente e rentável.

O mais curioso: a resposta mais recente ao universo das narrativas em áudio é a proposta de um DJ Robô que conversa com você e comenta músicas que ele acha que farão sentido de acordo com o seu perfil. Um DJ movido à inteligência artificial.

Alguma dúvida que as milhares de horas que os áudios que subimos enquanto produtores de conteúdo tinham diversas funções?

Para onde eu arriscaria que essa situação vai nos levar no médio prazo

Olhe em volta. Ou melhor: olhe para o seu desktop e se pergunte quantos serviços antes 100% gratuitos estão oferecendo mais e mais plano pagos. Em alguns casos, como o do Twitter Blue e o próprio ChatGTP Plus com vantagens duvidosas? Sim. Mas perceba como existe um movimento de micro-pagamentos, micro-assinaturas e nano-plataformas ao redor de conteúdo.

Pode ser o acesso a features exclusivos como no caso do Telegram Plus, ou serviços inteiros, como o Riverside.fm (para gravação de podcasts à distância) ou um que acabei de conhecer, o Descript, que utiliza I.A. para agilizar o workflow de produção de vídeo para web.

É um cenário que apresenta diversas vantagens, principalmente para a saudabilidade financeira da estrutura. Em escala menor, focada no oferecimento de menos funcionalidades e entregando qualidade e agilidade potencializada por inteligência artificial, mini-mundos sustentados por assinantes para produtores de conteúdo parecem ser uma solução mais equilibrada e focada.

Ou seja: saem plataformas megalíticas, entram pequenas vilas auto-administradas. Eu vou por aí.

Quem é quem, para você fazer bonito na roda de conversa sobre o tema podcasts no Spotify

Em tempos de pouco tempo e “muito longo não li”, preparei um resumo dos principais personagens desta história recente. Anota aí:

Daniel Ek – CEO do Spotify. Responsável pela estratégia geral da empresa e pela contratação de Rogan, Alex Cooper e outros criadores renomados. Enfrenta pressão para reduzir custos e tornar o negócio lucrativo.

Dawn Ostroff – Diretora de conteúdo do Spotify, responsável pela estratégia da empresa de podcasting e pela contratação de celebridades de Hollywood. Foi afastada da empresa em 2021 após os cortes no negócio de podcasting e mudança na estratégia da empresa para reduzir custos.

Alex Blumberg – Criador da empresa de produção de podcast chamada Gimlet Media, adquirida pelo Spotify em 2019. Produziu shows como Reply All e The Resistance, mas sofreu após a aquisição e enfrentou problemas internos que levaram à saída de Ostroff e ao cancelamento de alguns programas.

Bill Simmons – Vendeu seu império de áudio esportivo e cultura pop, The Ringer, para o Spotify por $200 milhões. Enviou um e-mail para o CEO da empresa argumentando a favor de manter a audiência da Ringer na Apple, mas acabou perdendo a disputa.

Joe Rogan – Apresentador de podcast que assinou um contrato com o Spotify por $200 milhões. Suas opiniões controversas sobre transgêneros e vacinas criaram tensões internas na empresa.

Alex Cooper – Coanfitriã do podcast Call Her Daddy, da Parcast, que assinou um contrato lucrativo com o Spotify.

Michelle Obama – Ex-primeira dama dos Estados Unidos, cujo estúdio Higher Ground assinou um contrato com o Spotify. Saiu da empresa em favor da Audible.

Agora, quero ouvir você

Esse é só o recorte de minha pesquisa, temperado com a minha opinião e experiência à frente de uns 300 episódios de podcast. Você pode ter produzido mais, ou até mesmo como ouvinte, ter outra visão. Quero muito saber qual é, aliás. Como se posiciona sobre o tema?

Comenta aqui ou em nosso servidor no Discord!

Sobre o autor

Mauro Amaral

Meu principal foco de atuação é a criação de projetos de conteúdo interessantes, divertidos e leves para marcas, organizações e produtos.

Em função desta opção, transito bem entre jornalismo, publicidade e entretenimento, pesquisando continuamente e filtrando ativamente as tendências do momento para aplicá-las no dia a dia dos meus clientes.

Construo, mantenho e estimulo equipes criativas há 10 anos; com especial predileção por identificar novos talentos e trabalhar potenciais multidisciplinares.

2 comentários

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  • Desconfio que não sirvo para esse estudo de caso 😬

    Acho que nunca ouvi um podcast no Spotify. Sempre preferi usar um app específico.

    Além disso mudei de streaming justamente por causa do podcast do negacionista imoral que é exclusivo da plataforma e eu nem sabia que existia.

    A propósito também não conheço os podcasts famosos. Meu lance sempre foi conteúdo, então me servi de 37 graus, praia dos ossos, prato cheio, anticast e, de famoso, acho que só conheço Startalk e Xadrez Verbal (são famosos?).

    Na minha opinião exclusivo só faz sentido pra mega produções como séries, filmes, jogos. Conteúdo produzido por independentes tem que ser livre, acessado por vários caminhos.

    Excessão aí pra vídeos nos YouTube e Vimeo da vida, mas mesmo assim quem produz pode subir pra várias plataformas.

    • Roney!

      Prazer tê-lo por aqui. Eu relutei em entrar, mas acabei cedendo, mas como objeto de estudo. Ainda consumo mesmo pelo PocketCasts.
      Penso que o ponto que mais chamou atenção em seu comentário foi sobre conteúdo proprietário e o direito de escolher onde “subir” e “consumir” os conteúdos. Este projeto aqui nasce a partir desta premissa: uma plataforma proprietária para conteúdos muito específicos.
      Eu acredito muito neste formato e que também estamos à beira de sua adoção em maior escala, que foi o que quis dizer com “mininundos”.
      Para além deste comentário, outro que penso é que o que plataformas querem são sempre os DADOS. O conteúdo é o biscoitinho. 😉

por Mauro Amaral

Mauro Amaral

Meu principal foco de atuação é a criação de projetos de conteúdo interessantes, divertidos e leves para marcas, organizações e produtos. Em função desta opção, transito bem entre jornalismo, publicidade e entretenimento, pesquisando continuamente e filtrando ativamente as tendências do momento...

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